• Edição 259
  • 12 de maio de 2011

Ciência e Vida

Estudo propõe mecanismo de defesa antioxidante das células

Cília Monteiro

 

Muitas alterações e disfunções do estado celular envolvem vias centrais do metabolismo energético. No entanto, essas vias podem ser manipuladas para melhorar a resposta celular, daí a importância de estudá-las. “Hoje está se redescobrindo as vias energéticas, pois elas interferem em um grande número de casos de doenças neurodegenerativas”, aponta Antonio Galina, professor do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM) da UFRJ. Ele pesquisa o metabolismo oxidativo, associado à geração de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, agentes oxidantes que podem alterar funções das células ou até danificarem estruturas celulares. Em seu trabalho, Galina propôs um mecanismo alternativo de defesa antioxidante.

“Quero conhecer como as espécies reativas de nitrogênio e oxigênio são produzidas pelos diferentes tipos de mitocôndrias (organelas celulares responsáveis pela respiração) e também como podem ser prevenidas nas diferentes células”, aponta o professor. Ao investigar o funcionamento dessas estruturas, Galina chegou ao mecanismo alternativo de defesa antioxidante. Para entendê-lo, é preciso saber como o nível das enzimas que removem espécies reativas varia de acordo com cada tecido.

O cérebro, que consome muito oxigênio e glicose, suas fontes de combustível, paradoxalmente é muito carente de enzimas antioxidantes. Por isso, os danos do estresse oxidativo (acúmulo de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio) muitas vezes são irreversíveis. Assim, “muitas doenças, como mal de Parkinson e Alzheimer, envolvem geração aumentada de espécies reativas que levam à morte de componentes celulares do sistema nervoso central. Além disso, um dos processos que acompanha o envelhecimento pode estar ligado a alterações de funções oxidativas”, constata o pesquisador.

Ainda estudando o cérebro, Galina também observou que o metabolismo dos carboidratos dos ciclos celulares dos neurônios também é diferenciado. “Percebemos que as mitocôndrias obtidas do cérebro tanto de ratos quanto de camundongos têm grande capacidade de produzir água oxigenada (uma espécie reativa). Mas, curiosamente, encontramos poucas enzimas antioxidantes clássicas. Também verificamos que essas mitocôndrias apresentam quantidade aumentada da principal enzima responsável pelo metabolismo de açúcar, que é a glicose, a hexoquinase mitocondrial”, relata o pesquisador. De acordo com ele, a mitocôndria usa produtos do metabolismo da glicose como fonte energética.

“Percebemos que o próprio mecanismo de fabricação de ATP (trifosfato de adenosina) somado à atividade da hexoquinase, alteram o consumo de oxigênio mitocondrial de modo a desfavorecer a formação de espécies reativas de oxigênio”, revela Galina. Por isso, o professor e seu grupo de pesquisa pensaram que, se as mitocôndrias dos neurônios, carentes em enzimas de defesa antioxidante, utilizassem um mecanismo alternativo de prevenção à formação de espécie reativa de oxigênio poderia controlar a formação destras espécies químicas. Nesse caso, a ideia é que muitas vezes prevenir é melhor que remediar.

O cérebro usa muita glicose e oxigênio (tem o doador e o aceptor eletrônico, respectivamente, para a formação de espécies reativas de oxigênio), tendo assim um grande potencial para a formação destas moléculas. “Entretanto, detectamos a ação de outras enzimas presentes nas membranas mitocondriais, que colocam a atividade respiratória num nível em que é muito menos propenso à formação de espécies reativas de oxigênio. Esse foi um primeiro achado”, observa o pesquisador.

Outra enzima com esta propriedade preventiva descoberta é a creatina quinase. A molécula de creatina recebe um grupo fosfato (-PO3) derivado da molécula de ATP gerado pela mitocôndria, em uma reação catalisada pela enzima creatina quinase. Nessa situação também acontece uma regulação do estado respiratório mitocondrial, que diminui a geração de peróxido de hidrogênio. “Nesse contexto, o funcionamento normal da mitocôndria e dos neurônios seria por si só um mecanismo preventivo, já que qualquer desequilíbrio entre o transporte de elétrons e de oxigênio para mitocôndria do sistema nervoso central seria capaz de gerar peróxido de hidrogênio”, aponta o professor.

Antonio pesquisou sobre o assunto e afirma que a suplementação com creatina pode reduzir o estresse oxidativo, não só no sistema nervoso. Além disso, a creatina protege de diabetes e pode ser usada em tratamentos de epilepsia. “Existe uma possibilidade de que ela iniba o aparecimento de radicais livres, que danifica ou altera o estado da célula”, constata.


O grupo de pesquisa de Galina também estuda mecanismos celulares mais básicos para conhecer outras formas de prevenir a geração de radicais livres. Os pesquisadores acompanham a evolução dos níveis das defesas antioxidantes clássicas e das enzimas relacionadas ao estresse oxidativo em camundongos de diferentes idades.

“Verificamos que os mais novos possuem as mitocôndrias do cérebro muito desprovidas de atividades da creatina quinase e da hexoquinase, portanto possuem capacidade de gerar espécies reativas de oxigênio mais alta, em uma etapa do desenvolvimento do sistema nervoso muito crítica. Entretanto, as mitocôndrias desta fase de vida cerebral dos camundongos tem uma menor produção específica de espécies reativas, e ainda possuem uma maior quantidade de enzimas que decompõem tanto o superóxido quanto o peróxido de hidrogênio. Assim, evidencia-se como a manipulação destas espécies pela célula é muito dinâmica e importante, porém pouco compreendida”, indica.

Na medida em que o cérebro vai amadurecendo e aumentando suas conexões sinápticas, as enzimas de defesa antioxidante tendem a diminuir de quantidade e a capacidade da mitocôndria de gerar peróxido de hidrogênio aumenta expressivamente, em mais de 100 vezes. Curiosa e coincidentemente, nesta fase a atividade tanto da hexoquinase como da creatina quinase também aumentam em mais de dez vezes. “De fato, quando estas enzimas são ativadas, a mitocôndria de camundongos adultos gera água oxigenada em níveis menores até mesmo que a de animais recém-nascidos. Estas enzimas podem representar a descoberta de um novo sistema preventivo para controlar a reação de espécies reativas de oxigênio num órgão que é tão vital e complexo para o organismo como o cérebro”, conclui Antonio Galina.

Texto retirado do site do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ

http://www.bioqmed.ufrj.br/conteudo_view.asp?id=276