De que maneira a visão influencia a postura e, por consequência, o equilíbrio corporal? Esse foi o ponto de partida para o desenvolvimento de projetos de pesquisa do Laboratório de Biomecânica da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ. Os pesquisadores da UFRJ buscam respostas analisando as alterações causadas pela ausência de informação visual em relação à postura corporal em cegos. A comparação com os resultados de participantes que enxergam é fundamental para definir parâmetros, diante da falta de informações presentes na literatura científica, em relação à prevenção do risco de quedas.
De acordo com Maitê Mello Russo de Souza, doutoranda do Laboratório de Neurobiologia II do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF-UFRJ), deficiências no equilíbrio normalmente são muito associadas a quedas, principalmente na população idosa. E as alterações da postura estão sempre associadas à dor e ao desconforto. No final de março, Maitê defendeu sua tese de mestrado sobre o equilíbrio de deficientes visuais, desenvolvida em parceria com o Núcleo de Estudos do Movimento Humano do Laboratório de Biomecânica da EEFD.
Atualmente, na comunidade científica, vigoram duas hipóteses conflitantes quanto aos prejuízos causados ao equilíbrio pela ausência da visão. “Uma é a favor da hipótese de compensação. Essa abordagem defende que os deficientes visuais se comportariam como os videntes de olhos abertos. A ausência da informação visual não causaria qualquer déficit no equilíbrio corporal. Essa hipótese defende que a deficiência visual pode ser compensada por outros sistemas. Em contrapartida, há a hipótese de déficit. Essa defende que a ausência da informação visual não poderia ser compensada e que os cegos se comportariam como os videntes quando de olhos fechados”, avalia a doutoranda.
Diante desse panorama, Maitê e Nathalia Lima Ribeiro − aluna do Programa de Mestrado da EEFD e integrante do Núcleo de Estudos do Movimento Humano que desenvolve sua tese referente à postura dos deficientes visuais - coletaram uma série de dados antropométricos para analisar os deficientes visuais.
A criação do banco de dados só foi possível em razão da parceria com a ONG Urece, que trabalha com esporte e atividades culturais para cegos, o Instituto Benjamin Constant e o Comitê Paraolímpico Brasileiro. “Analisamos atletas,deficientes praticantes de atividade regular. Utilizei os da classificação B1, mas coletamos dados das três classificações de deficientes visuais: B1 (sem qualquer visão), B2 (com pouca visão) e B3 (com maior visão)”, conta Souza.
O estudo se baseou na questão do equilíbrio. “Utilizamos o equipamento mais citado na literatura, conhecido como plataforma de força. Ela detecta as oscilações corporais produzidas na postura ereta por um determinado tempo diante de várias tarefas, posicionamento dos pés. Além de alterar as informações sensoriais e ver como o não vidente se comporta diante de tais alterações”, relata.
Avaliação postural
A pesquisa da Nathalia Ribeiro está na fase de avaliação de dados, do levantamento estatístico. Para analisar como a postura altera o equilíbrio do corpo é feita uma avaliação através de fotografias. “Utilizamos o protocolo do Software para Avaliação Postural (Sapo), desenvolvido na Universidade de São Paulo (USP). Colocamos marcações (bolinhas de isopor) no corpo do indivíduo em vários pontos anatômicos específicos e tiramos fotos de vários ângulos”, conta Nathalia. O software calcula as diferenças de angulação dos pontos anatômicos específicos e, daí, são gerados relatórios dos indivíduos analisados, videntes e não videntes, para compará-los.
“Não há nada definido na literatura científica em relação à postura. Vou cruzar os dados da pesquisa da Maitê com os meus para ter uma conclusão. Analisarei se realmente os cegos têm um número maior de desvios posturais. E caso realmente tenham, verificarei se tais desvios alteram o equilíbrio”, relata a mestranda. A defesa da tese está prevista para o final do ano.
Resultados
Segundo Maitê, seu estudo observou que “através de estratégias mecanismos distintos e distintas estratégias, os deficientes visuais possuem o mesmo comportamento dos videntes. Nossos resultados vão ao encontro da hipótese de compensação, tendo em vista a análise de outros parâmetros que ainda não são conhecidos pela literatura”.
Por fim, a pesquisadora conclui que “quando avaliamos um ser vidente de olhos fechado constatamos uma série de alterações de padrões estabilométricos de equilíbrio. O grande prejuízo com a ausência da informação visual, não compensada pelos demais sistemas sensoriais, está associado ao aumento do risco de quedas.”